Universidade Portucalense – Infante D. Henrique

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Espinosa: Uma Filosofia da Vida, da Liberdade e da Justiça para o nosso Presente?

A 24 de novembro de 1632, nasceu Baruch de Espinosa, em Amesterdão, numa comunidade sefardita de judeus portugueses exilados. Três séculos e meio depois, o seu pensamento continua a surpreender e inspirar. Vem ao mundo no mesmo ano de Locke, um génio criativo mais moderado, e a sua luz brilha intensamente entre dois sóis: Descartes (1596-1650) e Leibniz (1646-1716).

Com apenas 23 anos, em julho de 1656, Espinosa foi excomungado pela comunidade judaica local por “horrendas heresias” e “enormes obras”. A sua exclusão foi total e definitiva, um dos mais severos herem de que há registo. Em 1737, a Igreja Católica confere-lhe a “honra” de colocar as suas obras no Index dos Livros Proibidos, acusando-o de ateísmo, embora Espinosa não negasse Deus, mas o pensasse de modo radicalmente “impessoal”: não como a Pessoa criadora sobrenatural, absolutamente transcendente, mas como a própria substância infinita, eterna, necessária, causadora de si e de tudo o que existe — Deus sive Natura.

Esta “destruição criativa” está na base da metafísica moderna mais audaciosa e transgressiva, que continua a gerar fecundas inovações. Na psicologia e nas neurociências, António Damásio (Looking for Spinoza, 2003) considera a conceção espinosista da unidade mente-corpo como uma antecipação do modelo do self fundado nas emoções e proprioceções somáticas. Para Espinosa, corpo e mente são “modos” ou “expressões particulares” dos dois atributos (i.e., extensão e pensamento) que o espírito humano consegue discernir na substância infinita. A mente é uma “ideia” e o seu objeto é o corpo (Ética, II, xiii); portanto, as funções mentais aplicam-se ao corpo e exercem-se “durante o corpo” (Ética, V, xxi e xxiii).

Na política e no direito, o pensamento de Espinosa é moldado pelas limitações da Paz de Vestfália e a ascensão de Luís XIV. Defende o pluralismo e a tolerância, afirmando, numa atitude anti-maquiavélica, anti-absolutista e anti-conservadora, que “o fim supremo do Estado é a liberdade” (TTP, xx). Na teologia e religião, respeita a experiência ética e comunitária, mas sempre submetida ao julgamento racional livre.

Na ecologia e ética ambiental, a sua ontologia da imanência, onde a natureza inteira é um sistema dinâmico de expressões interconectadas de uma só e única substância, ressurge na deep ecology de Arne Naess, que reconhece a interdependência constitutiva e o valor intrínseco de todos os seres vivos, exigindo assim a proteção das relações que suportam a vida.

Em sinal de gratidão intelectual, destacaria algumas carreiras espinosistas notáveis na comunidade filosófica luso-brasileira: Marilena Chauí, talvez a maior filósofa brasileira que convoca Espinosa para repensar a liberdade, a ação e a democracia; Diogo Pires Aurélio, exímio tradutor e intérprete, especialmente do pensamento político; Maria Luísa Ribeiro Ferreira, cujos estudos iluminam os ângulos mais obscuros da metafísica; e Francisco Vieira Jordão, cuja leitura crítica da teologia de Espinosa me marcou indelevelmente, tendo sido meu professor em 1992/93.

Neste 24 de novembro, celebramos a persistência de uma filosofia viva que ousa unir razão e afeto, natureza e divindade, liberdade e justiça. Espinosa é um intelectual contemporâneo: ele pode compreender a substância do nosso presente.

Paulo Jesus, docente do Departamento de Psicologia e Educação

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